À medida que a economia mundial cai de um precipício, os críticos dos economistas estão a levantar questões acerca da sua cumplicidade na actual crise. E fazem bem: os economistas têm muitas contas a prestar.
Foram os economistas que legitimaram e popularizaram a ideia de que um sistema financeiro sem restrições era uma dádiva para a sociedade. Foram quase unânimes no que diz respeito aos "perigos da regulação excessiva por parte do governo". Os seus conhecimentos técnicos - ou o que parecia sê-lo na altura - conferiram-lhes uma posição privilegiada na qualidade de "opinion makers", tendo igualmente permitido que tivessem acesso aos corredores do poder.
Muitos poucos de entre eles (notáveis excepções, onde se incluem Nouriel Roubini e Robert Schiller) fizeram soar o alarme acerca da crise que estava para vir. Talvez ainda pior do que isso, os economistas não conseguiram fornecer uma orientação útil para fazerem sair a economia mundial da actual turbulência. No que diz respeito aos estímulos orçamentais keynesianos, os pontos de vista dos economistas vão desde "absolutamente essenciais" a "ineficazes e nocivos".
Quanto a haver de novo regulação nas finanças, há muitas boas ideias, mas pouca convergência. Do quase consenso quanto às virtudes de um modelo do mundo centrado nas finanças, os economistas passaram para uma ausência quase total de unanimidade em relação àquilo que deve ser feito.
Assim sendo, será que a economia está a precisar de um grande abanão? Deveríamos queimar os manuais existentes e reescrevê-los a partir do zero?
Bom, na verdade... não. Sem o recurso ao "kit" de ferramentas dos economistas, não conseguiremos sequer começar a entender a actual crise.
A título de exemplo, por que razão é que a decisão da China de acumular reservas estrangeiras fez com que uma entidade de concessão de crédito hipotecário do Ohio assumisse riscos excessivos? Se a sua resposta não recorrer a elementos da economia comportamental, da teoria do agente, da economia da informação e da economia internacional, entre outros, é muito provável que seja extremamente incompleta.
A falha reside não na economia, mas sim nos economistas. O problema é que os economistas (e aqueles que os escutam) se tornam excessivamente confiantes nos seus modelos de preferência do momento: os mercados são eficientes, a inovação financeira transfere o risco para aqueles que melhor o podem suportar, a auto-regulação funciona melhor e a intervenção estatal é ineficaz e nociva.
Eles esqueceram-se que existem muitos outros modelos que levam a direcções radicalmente diferentes. O excesso de confiança perturba a visão. Se alguma coisa precisa de ser reparada, essa coisa é a sociologia da profissão de economista. Os manuais - pelo menos aqueles que são utilizados nos cursos avançados - são óptimos.
Os não-economistas tendem a pensar na economia como uma disciplina que idolatra os mercados e como um conceito tacanho da eficiência (distributiva). Se a única via da economia que você segue é a da típica análise introdutória, ou se você é um jornalista que pede a um economista uma rápida opinião sobre uma determinada política, será realmente com essas noções que se irá deparar. Mas siga mais algumas vias, ou passe mais tempo em seminários avançados sobre o assunto, e obterá um cenário diferente.
A economista do trabalho focaliza-se não só na forma como os sindicatos podem distorcer os mercados, mas também na forma como, sob determinadas condições, podem aumentar a produtividade. A economia comercial estuda as implicações da globalização sobre a desigualdade dentro dos países e entre países. Os teóricos das finanças têm escrito "resmas" de páginas sobre as consequências do fracasso da hipótese dos "mercados eficientes". Os macroeconomistas da economia aberta analisam as instabilidades das finanças internacionais. A formação avançada em economia requer uma aprendizagem pormenorizada sobre os fracassos do mercado e sobre as mil e uma formas de que o governo dispõe para ajudar os mercados a funcionarem melhor.
A macroeconomia poderá ser o único domínio aplicado à economia em que uma maior formação na área distancia ainda mais o especialista do mundo real, devido à sua confiança em modelos altamente irrealistas que sacrificam a relevância em prol do rigor técnico. Lamentavelmente, à luz daquilo que hoje é necessário, os macroeconomistas poucos progressos realizaram em termos de medidas a tomar desde que John Maynard Keynes explicou de que forma é que as economias poderiam resvalar para um aumento do desemprego devido a uma procura agregada deficiente. Alguns economistas, como Brad DeLong e Paul Krugman diriam que este domínio da economia, na verdade, regrediu.
A economia é realmente um "kit" de ferramentas com modelos múltiplos - cada um deles com uma representação diferente e estilizada de alguns aspectos da realidade. A competência de um economista depende da sua capacidade para seleccionar e escolher o modelo correcto para a situação em causa.
A riqueza da economia não tem estado reflectida no debate público porque os economistas chamaram a si próprios muitas liberdades. Em vez de apresentarem menus de opções e listarem as compensações relevantes - e é disso que trata a economia -, os economistas têm transmitido demasiadas vezes as suas próprias preferências sociais e políticas. Em vez de serem analistas, têm sido ideólogos, favorecendo um conjunto de acordos sociais em detrimento de outros.
Além disso, os economistas têm-se mostrado relutantes em partilhar as suas dúvidas intelectuais com o público, com receio de "darem o poder aos bárbaros". Nenhum economista pode estar inteiramente seguro de que o seu modelo de preferência é o correcto. Mas quando esse e outros economistas o defendem até à exclusão de alternativas, acabam por transmitir um grau extremamente exagerado de confiança em relação ao rumo que é preciso tomar.
Assim, paradoxalmente, a actual confusão no seio desta profissão é talvez um melhor reflexo do verdadeiro valor acrescentado da profissão do que o seu anterior consenso ambíguo. A economia pode, na melhor das hipóteses, clarificar as escolhas para os responsáveis pela tomada de medidas; mas não pode fazer as escolhas por eles.
Quando os economistas discordam entre si, o mundo fica exposto a diferentes pontos de vista legítimos sobre a forma como a economia funciona. É quando eles concordam em demasia que o público deve ser cauteloso.
Foram os economistas que legitimaram e popularizaram a ideia de que um sistema financeiro sem restrições era uma dádiva para a sociedade. Foram quase unânimes no que diz respeito aos "perigos da regulação excessiva por parte do governo". Os seus conhecimentos técnicos - ou o que parecia sê-lo na altura - conferiram-lhes uma posição privilegiada na qualidade de "opinion makers", tendo igualmente permitido que tivessem acesso aos corredores do poder.
Muitos poucos de entre eles (notáveis excepções, onde se incluem Nouriel Roubini e Robert Schiller) fizeram soar o alarme acerca da crise que estava para vir. Talvez ainda pior do que isso, os economistas não conseguiram fornecer uma orientação útil para fazerem sair a economia mundial da actual turbulência. No que diz respeito aos estímulos orçamentais keynesianos, os pontos de vista dos economistas vão desde "absolutamente essenciais" a "ineficazes e nocivos".
Quanto a haver de novo regulação nas finanças, há muitas boas ideias, mas pouca convergência. Do quase consenso quanto às virtudes de um modelo do mundo centrado nas finanças, os economistas passaram para uma ausência quase total de unanimidade em relação àquilo que deve ser feito.
Assim sendo, será que a economia está a precisar de um grande abanão? Deveríamos queimar os manuais existentes e reescrevê-los a partir do zero?
Bom, na verdade... não. Sem o recurso ao "kit" de ferramentas dos economistas, não conseguiremos sequer começar a entender a actual crise.
A título de exemplo, por que razão é que a decisão da China de acumular reservas estrangeiras fez com que uma entidade de concessão de crédito hipotecário do Ohio assumisse riscos excessivos? Se a sua resposta não recorrer a elementos da economia comportamental, da teoria do agente, da economia da informação e da economia internacional, entre outros, é muito provável que seja extremamente incompleta.
A falha reside não na economia, mas sim nos economistas. O problema é que os economistas (e aqueles que os escutam) se tornam excessivamente confiantes nos seus modelos de preferência do momento: os mercados são eficientes, a inovação financeira transfere o risco para aqueles que melhor o podem suportar, a auto-regulação funciona melhor e a intervenção estatal é ineficaz e nociva.
Eles esqueceram-se que existem muitos outros modelos que levam a direcções radicalmente diferentes. O excesso de confiança perturba a visão. Se alguma coisa precisa de ser reparada, essa coisa é a sociologia da profissão de economista. Os manuais - pelo menos aqueles que são utilizados nos cursos avançados - são óptimos.
Os não-economistas tendem a pensar na economia como uma disciplina que idolatra os mercados e como um conceito tacanho da eficiência (distributiva). Se a única via da economia que você segue é a da típica análise introdutória, ou se você é um jornalista que pede a um economista uma rápida opinião sobre uma determinada política, será realmente com essas noções que se irá deparar. Mas siga mais algumas vias, ou passe mais tempo em seminários avançados sobre o assunto, e obterá um cenário diferente.
A economista do trabalho focaliza-se não só na forma como os sindicatos podem distorcer os mercados, mas também na forma como, sob determinadas condições, podem aumentar a produtividade. A economia comercial estuda as implicações da globalização sobre a desigualdade dentro dos países e entre países. Os teóricos das finanças têm escrito "resmas" de páginas sobre as consequências do fracasso da hipótese dos "mercados eficientes". Os macroeconomistas da economia aberta analisam as instabilidades das finanças internacionais. A formação avançada em economia requer uma aprendizagem pormenorizada sobre os fracassos do mercado e sobre as mil e uma formas de que o governo dispõe para ajudar os mercados a funcionarem melhor.
A macroeconomia poderá ser o único domínio aplicado à economia em que uma maior formação na área distancia ainda mais o especialista do mundo real, devido à sua confiança em modelos altamente irrealistas que sacrificam a relevância em prol do rigor técnico. Lamentavelmente, à luz daquilo que hoje é necessário, os macroeconomistas poucos progressos realizaram em termos de medidas a tomar desde que John Maynard Keynes explicou de que forma é que as economias poderiam resvalar para um aumento do desemprego devido a uma procura agregada deficiente. Alguns economistas, como Brad DeLong e Paul Krugman diriam que este domínio da economia, na verdade, regrediu.
A economia é realmente um "kit" de ferramentas com modelos múltiplos - cada um deles com uma representação diferente e estilizada de alguns aspectos da realidade. A competência de um economista depende da sua capacidade para seleccionar e escolher o modelo correcto para a situação em causa.
A riqueza da economia não tem estado reflectida no debate público porque os economistas chamaram a si próprios muitas liberdades. Em vez de apresentarem menus de opções e listarem as compensações relevantes - e é disso que trata a economia -, os economistas têm transmitido demasiadas vezes as suas próprias preferências sociais e políticas. Em vez de serem analistas, têm sido ideólogos, favorecendo um conjunto de acordos sociais em detrimento de outros.
Além disso, os economistas têm-se mostrado relutantes em partilhar as suas dúvidas intelectuais com o público, com receio de "darem o poder aos bárbaros". Nenhum economista pode estar inteiramente seguro de que o seu modelo de preferência é o correcto. Mas quando esse e outros economistas o defendem até à exclusão de alternativas, acabam por transmitir um grau extremamente exagerado de confiança em relação ao rumo que é preciso tomar.
Assim, paradoxalmente, a actual confusão no seio desta profissão é talvez um melhor reflexo do verdadeiro valor acrescentado da profissão do que o seu anterior consenso ambíguo. A economia pode, na melhor das hipóteses, clarificar as escolhas para os responsáveis pela tomada de medidas; mas não pode fazer as escolhas por eles.
Quando os economistas discordam entre si, o mundo fica exposto a diferentes pontos de vista legítimos sobre a forma como a economia funciona. É quando eles concordam em demasia que o público deve ser cauteloso.
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