Antero Graça Flores confessa que gostaria de ver o processo que colocou contra o BCP, seja resolvido rapidamente, porque quer ter uma velhice tranquila e poder escolher livremente onde estar se na África do Sul, onde passa longas temporadas junto de familiares directos, se na Póvoa de Varzim onde é natural. “Agora estou retido aqui e não sei quanto tempo é que isto vai durar”, desabafa à saída da primeira sessão de julgamento, que passou no passado dia dois de Fevereiro, no Porto e vai continuar em Abril!
António Flores é mais um cliente, ou apenas mais um, que se diz lesado pela compra de acções do BCP, em 2001, vendidas por funcionários do banco, como se fosse a melhor aplicação financeira que se podia fazer e que estão na origem de várias queixas-crime avançadas contra o banco, inclusive pela própria Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
No caso concreto, três funcionários “bem vestidos e bem-falantes” (dois deles viajaram propositadamente da Madeira para a África do Sul), e a confiança sem reservas no funcionário do balcão do BCP, em Joanesburgo, levaram Antero Flores a aceitar comprar acções e a assinar papéis que não sabe bem o que diziam. Admite ter aceitado comprar acções, mas garante que não pediu nenhum empréstimo ao banco.
Agora com 70 anos, António Flores é o primeiro a admitir que não dominava o português escrito: saiu da Póvoa aos 12 anos, rumo a Joanesburgo, onde começou a trabalhar na área da carpintaria, desenvolvendo depois a actividade empresarial no mesmo ramo. A circunstancia de não haver extractos bancários (por limitações legais de saída de dinheiro), e das operações bancárias serem realizadas através de contas sedeadas no “offshore” da Madeira (o que permitia melhores taxas de juro) contribuíram para que a situação fugisse ao controlo do emigrante português. Até ao momento em que o banco o confrontou, em 2004, com uma dívida acumulada de cinco milhões de euros, relativa à compra de acções. Obrigações e juros, incluindo relativos a saldos a descoberto.
O choque foi grande e a confusão na sua cabeça maior ainda. Numa das vindas a Portugal, o emigrante decidiu contratar dois Advogados portugueses para o ajudarem a perceber o que estava a passar. Os Advogados avançaram primeiro com uma acção especial de apresentação de documentos, de forma a exigir do banco a apresentação de um conjunto de documentos e extractos de contas. Logo no âmbito desta acção, a dívida diminuiu drasticamente de cinco para dois milhões de euros (1,5 milhões resultante de um empréstimo, mais juros desde 2001).
Segue-se depois o segundo processo contra o banco, para pedido de anulação da dívida remanescente, acção essa que começou a ser julgada e assente na omissão do dever de informação e não adequação do perfil do cliente ao tipo de investimento em causa.
Como surge a dívida:
Antero Flores admite que, na consequência da conversa com os três funcionários, aceitou comprar algumas acções do BCP. O que ficou registado na sua cabeça, e é corroborado por familiares presentes no encontro, é que ele entrava com algum dinheiro (165 mil euros em saldos na sua conta) e o banco entrava com outra parte. Só que, entre os documentos que o banco apresentou na acção inicial, há um contrato de empréstimo de cerca de 1,5 milhões de euros, destinado a financiar a compra de acções e que, apesar de o cliente afirmar não ter noção da sua existência está assinado por si.
Depois do contacto com os funcionários o BCP acreditou na sua compra – 28 de Fevereiro de 13 de Março de 2001 – a compra de 548 mil acções, no valor aproximado de 3 milhões de euros (o dobro do empréstimo), com cada acção a custar entre 5,3 e 5,4 euros.
Entretanto o BCP acabou por, em 16 de Agosto de 2002, retirar da referida conta cerca de 267 mil acções e anulou o descoberto de mais de 1,5 milhões de euros. O BCP retirou efectivamente as acções daquela conta mas foi depositá-las numa outra conta, criada pelo banco também em nome de Antero Flores, sem o seu consentimento e conhecimento.
Apesar de Antero Flores ter sido inicialmente confrontado com a divida relativa a esta segunda conta que juntamente com a da primeira, dá mais cinco milhões, o BCP acabou por anular a parte da dívida correspondente à segunda metade das acções. Já em 2008, o BCP vendeu obrigações (algumas das quais tinham data de vencimento em 2049) compradas também pelo banco e também a crédito, alegadamente para compensar o prejuízo das acções e encerrou a respectiva conta, sem prejuízo para o cliente.
É assim que a dívida é reduzida para o valor do financiamento inicial (de 1,5 milhões de euros mais juros) e a acção que permanece em tribunal visa a anulação desse empréstimo que serviu para comprar acções que valem agora cerca de 270 mil euros.
Os advogados do cliente recusaram-se a fazer comentários enquanto durar o julgamento, posição igualmente assumida pelo gabinete de comunicação do BCP.
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