É do senso comum que o combate à corrupção deve constituir uma das prioridades da agenda política de qualquer governo. E deve ser um combate à escala nacional, um combate que pertence a todos. Por isso irrita-me que algumas pessoas conhecidas, que os media tanto apreciam, se julguem donas deste combate. Vem isto a propósito da tipificação como crime do enriquecimento ilícito.
Considerar crime o enriquecimento ilícito, sem mais, significa que passa a caber ao cidadão a prova da sua inocência. Terá que provar o meio lícito de aquisição da sua casa ou do seu barco, libertando quem acusa, o MP, de investigar e, sobretudo, de provar, como é sua obrigação e sucede em qualquer acção penal, a prática do crime. Assim não vale. Não se pode pôr sobre os ombros do cidadão esse ónus, para branquear as fragilidades da lei, a falta de meios e de vontade política ou a incompetência, na investigação, da Polícia Judiciária ou do MP. O cidadão não pode ser o bode expiatório da falta de resultados no combate a este crime. É certo que a prova não é fácil, mas tem acontecido coisas, no mínimo, estranhas, quando se encontram razões para arquivar processos em relação a alguns "notáveis" e prosseguir quanto a outros, mais fracos.
Não pode ser com o sacrifício, para além do razoável, dos direitos e garantias do cidadão que se combate a corrupção. Até parece que o crime de enriquecimento ilícito vai resolver todas as debilidades e a falta de eficácia neste combate. E se tal acontecer não tardará que só o cidadão, que compra casa em Chelas ou que tem um bote na marina do "Vale da Porca", tem que fazer essa prova, pois as casas e os iates da gente poderosa são sempre comprados por meios lícitos e transparentes de uma qualquer offshore.
O que é preciso é mudar o paradigma e recentrar a investigação na figura do juiz de instrução criminal. Já bastou o que foi feito nos crimes de natureza fiscal, em que o contribuinte não tem direitos, só deveres. Este caminho tem de ser feito com cuidado, sob pena de se porem em causa princípios estruturantes do direito penal, como a presunção de inocência e o ónus da prova. É possível estudar, com acerto, novas formas de partilha do ónus da prova, sem que isso represente uma inversão total desse ónus, obrigando o acusado a demonstrar a sua inocência. Deve tentar compatibilizar-se a ideia de transparência, subjacente ao crime de enriquecimento ilícito, com a exigência de garantias da Constituição.
Os mecanismos de transparência devem ser equilibrados, porque se assim não for, como disse Brecht, agora levam--me a mim, mas já é tarde, como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.
OBS:
Há políticos e gestores públicos pobres,(principalmente banqueiros)
Seria muito fácil de os detectar, até um cego os conseguiria decifrar...
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