O problema central da crise estacionária é a desconfiança. O preço que estamos a pagar pelos enormes desfalques no sistema financeiro internacional não pára de aumentar. A ganância andou anos demais de mãos dadas com delinquentes confundidos com homens de sucesso.
Uns dirão que tudo isto estava no código genético do capitalismo, outros que foi a condescendência com os excessos dos especuladores. Terá sido um pouco de tudo, mas foi decerto sobretudo incúria e impunidade. E o resultado não podia ser mais cruel. Ele aí está rodeado por múltiplas vozes que dizem que o pior está para vir. E o pior é ninguém saber muito bem o que pode acontecer. Para já, as certezas diárias fazem-se de falências e despedimentos. Os números são muito cruéis. O galope do desemprego é assustador e as previsões, quase sempre ultrapassadas pela realidade, dizem que o comportamento da economia está de regresso ao pós-guerra. A Organização Internacional do Trabalho alerta para um cenário de perda de 40 milhões de empregos. A política e a finança alhearam-se de Davos.
Tem pouco para dizer. Ao contrário do Fórum Social que tem muito para protestar. O desencontro não podia ser maior. Os que brincaram com o fogo incendiaram quase tudo e quase todos. E o incêndio alastra indomável desafiando todas as técnicas de neutralização. Uma única certeza: o combate será duradouro e deixará muitos por terra.
A democracia e a economia de mercado são pouco compatíveis com a desconfiança dos cidadãos e dos consumidores. E por isso, enquanto não for possível contrariar a descrença, a democracia e a economia de mercado estão ameaçadas. Há quem insista em manter padrões de funcionamento sem corrigir a linha de rumo, sem clarificar procedimentos e responsabilizar quem exorbitou da confiança de investidores e consumidores. Enquanto assim continuarmos desemprego vai gerar desemprego, e a retracção do consumo e do investimento tenderão a reproduzir-se. A confiança não se injecta, merece-se ou não se merece. É neste caldo de percepções que a vida política tende a ficar à mercê de justiceiros de ocasião. Como o descrédito contagia tudo e todos, isto é, como tudo se reduzirá uma vez mais à porca da política, o demagogo que fizer o discurso mais anti-político e prometer autoridade e justiça a preceito poderá receber os favores dos poucos eleitores seduzíveis. História de outros tempos que poderá ganhar novos tempos. O arrastão da desconfiança segue imparável...
José Sócrates está perdido no seu labirinto. Não bastava a crise interna e externa, é ele próprio um factor de desconfiança. O "caso Freeport" ressuscitou e não podia ser mais perturbador. Todas as declarações de inocência, toda a presunção de inocência, esbarram numa suspeita crescente pejada de peripécias: um licenciamento que não pode esperar por novo governo; familiares que envolvem ministro em negócios; contas bancárias em ‘offshore'; ingleses que suspeitam do ministro agora primeiro-ministro; magistrados e polícias portugueses que se irritam com os seus pares ingleses; príncipes que perderam dinheiro no ‘outlet'; cartas rogatórias sem resposta; um procurador que diz que o caso "está na moda", mas sem suspeitos... Sem suspeitos, mas com demasiada suspeita. Nunca um primeiro-ministro esteve sob o peso de uma suspeição tão grave, mesmo que não directa e formalmente enunciada, mesmo que não existam provas bastantes para o incriminar. Que fazer? Aguardar que se faça justiça?
Que chegue a sua vez, ao ritmo de um processo que se arrasta intermitente há sete anos? Sujeitar-se a depor em tribunal? Responder diariamente às notícias? Ficar em lume brando até às eleições? Abandonar o governo até que se faça justiça, isto é, abdicando de uma recandidatura?
Abandonar o governo e procurar em eleições antecipadas uma relegitimação, como se o voto devesse acertar contas com a justiça? Resistir, resistir? Só a consciência pessoal de José Sócrates pode ditar uma resposta. A certeza actual é que a suspeita que recai sobre o chefe do Governo se está a tornar cada vez mais insustentável. Insustentável para si e para o país. E mesmo que os seus opositores digam que é preciso separar as águas da política e da justiça, sempre vão aproveitando para pôr em causa o seu carácter e o confrontar com o princípio criminoso dos ‘offshore'...
Só nos faltava que o corolário da crise fosse a honra manchada do primeiro-ministro. Ou que tudo não passe de uma maquinação vil. Não sei o que será pior.
Uns dirão que tudo isto estava no código genético do capitalismo, outros que foi a condescendência com os excessos dos especuladores. Terá sido um pouco de tudo, mas foi decerto sobretudo incúria e impunidade. E o resultado não podia ser mais cruel. Ele aí está rodeado por múltiplas vozes que dizem que o pior está para vir. E o pior é ninguém saber muito bem o que pode acontecer. Para já, as certezas diárias fazem-se de falências e despedimentos. Os números são muito cruéis. O galope do desemprego é assustador e as previsões, quase sempre ultrapassadas pela realidade, dizem que o comportamento da economia está de regresso ao pós-guerra. A Organização Internacional do Trabalho alerta para um cenário de perda de 40 milhões de empregos. A política e a finança alhearam-se de Davos.
Tem pouco para dizer. Ao contrário do Fórum Social que tem muito para protestar. O desencontro não podia ser maior. Os que brincaram com o fogo incendiaram quase tudo e quase todos. E o incêndio alastra indomável desafiando todas as técnicas de neutralização. Uma única certeza: o combate será duradouro e deixará muitos por terra.
A democracia e a economia de mercado são pouco compatíveis com a desconfiança dos cidadãos e dos consumidores. E por isso, enquanto não for possível contrariar a descrença, a democracia e a economia de mercado estão ameaçadas. Há quem insista em manter padrões de funcionamento sem corrigir a linha de rumo, sem clarificar procedimentos e responsabilizar quem exorbitou da confiança de investidores e consumidores. Enquanto assim continuarmos desemprego vai gerar desemprego, e a retracção do consumo e do investimento tenderão a reproduzir-se. A confiança não se injecta, merece-se ou não se merece. É neste caldo de percepções que a vida política tende a ficar à mercê de justiceiros de ocasião. Como o descrédito contagia tudo e todos, isto é, como tudo se reduzirá uma vez mais à porca da política, o demagogo que fizer o discurso mais anti-político e prometer autoridade e justiça a preceito poderá receber os favores dos poucos eleitores seduzíveis. História de outros tempos que poderá ganhar novos tempos. O arrastão da desconfiança segue imparável...
José Sócrates está perdido no seu labirinto. Não bastava a crise interna e externa, é ele próprio um factor de desconfiança. O "caso Freeport" ressuscitou e não podia ser mais perturbador. Todas as declarações de inocência, toda a presunção de inocência, esbarram numa suspeita crescente pejada de peripécias: um licenciamento que não pode esperar por novo governo; familiares que envolvem ministro em negócios; contas bancárias em ‘offshore'; ingleses que suspeitam do ministro agora primeiro-ministro; magistrados e polícias portugueses que se irritam com os seus pares ingleses; príncipes que perderam dinheiro no ‘outlet'; cartas rogatórias sem resposta; um procurador que diz que o caso "está na moda", mas sem suspeitos... Sem suspeitos, mas com demasiada suspeita. Nunca um primeiro-ministro esteve sob o peso de uma suspeição tão grave, mesmo que não directa e formalmente enunciada, mesmo que não existam provas bastantes para o incriminar. Que fazer? Aguardar que se faça justiça?
Que chegue a sua vez, ao ritmo de um processo que se arrasta intermitente há sete anos? Sujeitar-se a depor em tribunal? Responder diariamente às notícias? Ficar em lume brando até às eleições? Abandonar o governo até que se faça justiça, isto é, abdicando de uma recandidatura?
Abandonar o governo e procurar em eleições antecipadas uma relegitimação, como se o voto devesse acertar contas com a justiça? Resistir, resistir? Só a consciência pessoal de José Sócrates pode ditar uma resposta. A certeza actual é que a suspeita que recai sobre o chefe do Governo se está a tornar cada vez mais insustentável. Insustentável para si e para o país. E mesmo que os seus opositores digam que é preciso separar as águas da política e da justiça, sempre vão aproveitando para pôr em causa o seu carácter e o confrontar com o princípio criminoso dos ‘offshore'...
Só nos faltava que o corolário da crise fosse a honra manchada do primeiro-ministro. Ou que tudo não passe de uma maquinação vil. Não sei o que será pior.
1 comentário:
Ainda no adro e já há mais: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1358263
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