Sete meses depois da primeira ida à Assembleia da República para explicar os meandros do caso BPN, Vítor Constâncio vai hoje à comissão de inquérito que está a avaliar o comportamento da supervisão no processo que culminou com a nacionalização do banco.
Mas, independentemente do que o governador do Banco de Portugal (BdP) venha a responder (ou recuse responder) aos deputados, há juízos que já estão feitos. E o principal é que todos os partidos da oposição atribuem culpas a Constâncio no caso BPN e exigem a sua demissão.
O PSD, o único que, até ao momento, não tinha vindo exigir a saída do supervisor, fá-lo agora. Em declarações ao PÚBLICO, o vice-presidente da bancada social-democrata, Hugo Velosa, disse não ter dúvidas que a culpa do sucedido no BPN não é do modelo de supervisão, "o problema fundamental é o supervisor", que "certamente deve abandonar o cargo", defendeu.
Apenas o PS rejeita apontar o dedo por antecipação a Vítor Constâncio, defendendo que, antes mesmo de ser ouvido, Constâncio "já está condenado". O socialista Ricardo Rodrigues criticou a interferência de interesses político-partidários nos trabalhos da comissão e sustentou que o que foi apurado até ao momento "não permite tirar qualquer conclusão relativa à saída do sr. governador". Mas está sozinho, já que a oposição é unânime em apontar o dedo às "falhas graves" da supervisão.
"Para bem da confiança no sistema financeiro, [Constâncio] já se devia ter demitido há muito tempo", disse Nuno Melo, do CDS-PP. Noutros países, "houve supervisores que se demitiram e outros que pediram desculpas. Em Portugal, onde o governador recebe o terceiro maior salário mundial, parece que ninguém assume responsabilidades", sustentou o deputado centrista. Já o comunista Honório Novo garantiu que "não há relatório do FMI que salve a honra do convento da supervisão bancária em Portugal", advogando que Constâncio não tem "condições políticas e de credibilidade" para manter-se à frente do banco central. Para João Semedo, do Bloco de Esquerda, o BdP "foi negligente, contemplativo e confiou demasiado em quem não podia nem devia confiar". Constâncio "deve deixar" o BdP "por ser ele mesmo o principal obstáculo à inadiável reforma da supervisão" financeira, acrescentou o deputado.
Porém, as expectativas quanto aos resultados práticos da audição de hoje são baixas, confessaram os deputados. É que se Ricardo Rodrigues argumenta que o depoimento do supervisor "é indispensável para percebermos o que se passou" no BPN, já Hugo Velosa não tem dúvidas que Constâncio "continuará com as mesmas justificações". Para João Semedo, o governador "vai manter um discurso autista e de rejeição de qualquer crítica ou responsabilidade". Nuno Melo tem "esperança de vir a ter uma surpresa", a de que Constâncio, "de uma vez por todas" comece a "colaborar a sério" com a comissão de inquérito. Um desejo partilhado com Honório Novo, que "gostaria de imaginar que o supervisor viesse finalmente colaborar" e facultar "a documentação e informações que tem sonegado".
Essa é, de resto, a nota mais negativa nos trabalhos da comissão; o braço de ferro travado com o BdP perante a recusa do supervisor em entregar documentação, escudando-se sob o sigilo bancário. Uma "guerra" em que Constâncio acabou por levar a melhor. Honório Novo vai mais longe e diz que o trabalho da comissão ficou "manchado" com a "posição assumida pelo PS" que impediu o recurso aos tribunais para levantar o segredo bancário. "Não é aceitável que a comissão, e por arrastamento a própria Assembleia, um órgão de soberania, sejam enxovalhados e se tenham submetido às imposições e decisões arbitrárias [do supervisor]", criticou. João Semedo referiu que houve "uma tentativa clara" do BdP de "esconder falhas e responsabilidades" e rematou que "quem assim se procura proteger não está nem de boa-fé nem de consciência tranquila".
Acusando o supervisor de ter tentado impedir a comissão de "cumprir o propósito de avaliar, politicamente, a nacionalização do BPN", Nuno Melo ressalvou que o BdP "tinha a obrigação moral e legal de não esconder todo o processo". E Hugo Velosa defendeu que a recusa do BdP "justifica alterações à legislação das comissões de inquérito", reforçando os seus poderes.
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