Vivemos, no euro e em Portugal, sob a ameaça de cair em abismos de dimensões diversas. O sistema financeiro criou um problema que gerou uma solução que nos lançou para um novo problema.
A redução do défice público é determinante para evitar um novo abalo na banca europeia com uma tempestade mais violenta que a de 2008 em Portugal.
Olhar para os erros que cometemos no passado só é um exercício útil para não se voltarem a repetir. E um dos mais graves erros do passado, especialmente a partir da segunda metade da década de 90, foi não se terem adoptado políticas económicas no domínio orçamental e financeiro que contrariassem a euforia que alguns viram (e avisaram) que nos ia criar problemas.
Era nessa altura, quando tudo parecia correr bem e festejávamos a lotaria da descida das taxas de juro, que se deveria ter aumentado o IVA e o IRS, que os apoios sociais poderiam ter sido cortados e que os bancos deveriam ter sido obrigados a constituir mais provisões para moderarem a sua euforia de concessão de crédito. Quando hoje se acusa o governo de José Sócrates, devíamos antes olhar para o que devia ter sido feito com António Guterres e José Manuel Durão Barroso e que não se fez. Claro que Sócrates também poderia ter feito mais.
Lamentavelmente, a política económica foi, entre o fim do século passado e o princípio deste, pró-cíclica, como, sem alternativa, o está a ser agora. Lançámos achas para a fogueira quando a economia estava a arder e agora somos obrigados a lançar pedregulhos de gelo para cima de uma economia a desfalecer. Tudo poderia ser muito diferente se a banca portuguesa não estivesse como está, com o crédito concedido a representar 150% dos depósitos. Houve um tempo, recente de década e meia, em que a carteira de crédito era inferior à dos depósitos.
Hoje a banca portuguesa e, por consequência, as empresas e as famílias estão nas mãos da vontade dos credores em emprestar mais dinheiro. E essa vontade de continuar a financiar o País depende da credibilidade das medidas para cortar a face mais visível do endividamento, a dívida pública.
No relatório de Estabilidade do Sistema Financeiro que ontem o Banco de Portugal divulgou pode ler-se praticamente em todos os capítulos o aviso sobre a importância determinante da redução do défice público para a aterragem suave do sistema financeiro. Se a correcção das contas públicas não for credível para os mercados financeiros, o risco do País agrava-se e, com ele, aumentam as já elevadas dificuldades de acesso ao financiamento internacional por parte da banca portuguesa.
À medida que o tempo vai passando, compreende-se melhor por que resolveu o BPI dar aquele contributo para a análise das contas públicas portuguesas e por que é que Fernando Ulrich foi, afinal, tão realista quando nos disse que estamos em risco de bater contra a parede. Ricardo Salgado acabou por dizer o mesmo de outra maneira, quando afirmou esta semana, em Nova Iorque, que a banca depende do BCE e dos depositantes.
O País está rodeado de abismos. Só tem de escolher o caminho para o abismo por onde se cai mais lentamente. Um caminho de queda do nível de vida que tem de ser claramente liderado pelo Estado. Para que todos o sigam e evitem o abismo dos abismos.
1 comentário:
é uma tremenda realidade ... gosto muito da forma como Helena Garrido coloca as verdades
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