Tem um crédito à habitação da década de zero? Não lhe toque, tudo o que fizer pode e será usado contra si. Perdeu o emprego, o salário, o marido, a mulher? "Lamentamos mas a sua prestação terá de subir. Volte sempre." E volta sempre.
Criticar a banca é sempre fácil, quase sempre é populista e muitas vezes é justo. Depois da crise financeira, apagada com o extintor dos contribuintes, há mesmo espíritos vingativos em alguns políticos, por vezes como manobra de diversão para os seus próprios fracassos. É por isso que os bancos precisam de inverter a imagem que deixaram na sociedade. Mas, na dúvida, precisam ainda mais de melhorar os seus resultados.
A crise financeira foi um invento dos bancos anglo-saxónicos mas os bancos europeus foram bons aprendizes dos erros alheios. Um dos erros clamorosos foi o da prática dos "spreads" zero vírgula qualquer coisa, uma negação do risco que está hoje a sair cara.
O "spread" que se soma às taxas Euribor é simultaneamente um medidor de risco e o lucro do banco. Ao eliminá-lo quase até ao zero, os bancos estavam, portanto, a abdicar de medir risco no seu cliente e da sua margem de lucro. No início, muitos bancos davam com uma mão (a taxa baixa) o que tiravam com a outra (as comissões altas). Mas como os governos lhes foram proibindo as comissões abusivas, as cláusulas leoninas, a impossibilidade de transferência de contratos, essa face oculta do empréstimo foi sendo extinta.
Foi um comportamento predatório contra si mesmos: hoje, grande parte do balanço dos bancos comerciais está amarrado a créditos à habitação de dezenas de anos com "spreads" baixos - e nada pode fazer para contrariá-lo. Os contratos estão assinados, os "direitos adquiridos" são dos clientes.
Excepto os clientes que precisem de alterar condições contratuais do seu crédito. Uma necessidade do cliente é um pretexto para o banco: o "spread" sobe. O "spread" sobe? Então o cliente não altera nada. Certo?
Errado: há clientes que não têm alternativa. A reportagem de hoje do Negócios mostra casos de desemprego que obrigam a dilatar o prazo do empréstimo. E de divórcios em que o contrato tem de passar de dois para um titular. Neste caso, a taxa de esforço (parte do rendimento afecta ao pagamento das prestações) pode até continuar a ser cumprida, mas mesmo assim a taxa sobe. A oportunidade torna-se oportunismo.
A injustiça está, pois, em que só os aflitos sofrem as revisões penalizadoras dos contratos. Os próprios bancos, que confessam que o desemprego e o divórcio são as principais causas para o crédito malparado na habitação, estão, pois, a contribuir para o ciclo negativo dessas pessoas, ao agravar-lhes a prestação.
Os bancos garantem que aprenderam a lição e que os juros que cobram jamais serão zero, o que cumprirão escrupulosamente até à próxima crise. Nos novos créditos, não há "spreads" invisíveis, o que por enquanto ainda é indolor, dado que as Euribor estão nos mínimos. Quando a economia europeia arribar, as taxas subirão e os bancos portugueses terão novos problemas de malparado.
Acabou o tempo do crédito ao preço da chuva. Mas mesmo hoje só chove em cima das cabeças de alguns clientes. É precisamente a esses que, cumprindo a famosa definição de Mark Twain, o banqueiro pede agora o chapéu-de-chuva de volta.
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