'Inside Job' é o segundo documentário realizado por Charles Ferguson, um filme que retrata a crise financeira, os seus protagonistas e consequências. Ferguson, que fez carreira no sector tecnológico como consultor e empreendedor (criou a Vermeer Technologies) é também escritor e um apaixonado pelo cinema. Em entrevista ao Económico, fala do sistema financeiro e do que o seu filme pretende mostrar, que esta era "uma crise completamente evitável".
Qual a sua opinião sobre a indústria financeira antes e depois de ter feito este documentário? Ficou com a ideia que a crise era inevitável?
Não tive grande contacto com o mundo financeiro durante mais de uma década e fiquei profundamente chocado com o que descobri quando comecei a pesquisar sobre a crise. Fui apercebendo-me que tinha mudado, muito profundamente e para pior. Era bastante mais poderoso, muito menos ético, do que tinha sido, e também muito mais perigoso. E acredito que, quanto mais tempo o sector financeiro dos EUA permanecer assim, continuaremos a ter crises. A computorização e globalização financeiras significam que enormes quantidades de dinheiro e de instrumentos financeiros complexos podem ser negociados à velocidade da luz. Se não forem devidamente regulados, esta complexidade e volatilidade permitirão a fraude e também a instabilidade. Portanto, paradoxalmente, um sistema financeiro tecnologicamente avançado tem de ser também altamente regulado para que seja seguro.
Disse várias vezes que a indústria financeira é criminosa. Foi o que quis mostrar?
Sim. Eu quis mostrar, primeiro, que esta indústria se tornou cada vez menos ética e até frequentemente criminosa; segundo, que os executivos financeiros são tratados com bastante mais complacência que as pessoas comuns que cometem crimes idênticos; terceiro, que esta criminalidade efectivamente desempenhou um grande papel como causa da crise económica; e, finalmente, que, levar quem cometeu estes crimes perante a justiça é uma questão importante na política económica, porque ajudaria a dissuadir comportamentos que poderiam levar a futuras crises.
O documentário, e alguns das suas declarações sobre a crise, foram politicamente incorrectas. Recebeu ameaças ou comentários mais desagradáveis?
Não recebi quaisquer ameaças. No entanto, os meus antigos amigos na Administração Obama não voltarão a falar comigo, o que me deixa bastante triste. Na verdade, muitos executivos seniores do sector financeiro disseram-me, em privado, que concordam com o filme. Só gostaria que o dissessem publicamente.
É crítico da forma como a Administração Obama tem lidado com a crise. O que pensa que deveria ter sido feito?
O Presidente Obama devia ter feito quatro coisas: pôr imediatamente fim aos elevados bónus; nomear um procurador verdadeiramente independente para investigar e deduzir acusações criminais onde se justificasse; nomear uma verdadeira equipa reformista para executar a política económica, em vez dos que escolheu, muitos dos quais partilham responsabilidades nas causas desta crise; e, por último, devia ter pressionado para que houvesse efectivamente uma importante reforma legislativa.
Tendo em conta a situação actual acredita que algo vai mesmo mudar para melhor?
Não sei. Sinto grande raiva e frustração entre os americanos, que sabem que aconteceu algo de errado e que não foi feita justiça, mas que talvez não percebam exactamente o que fazer. Espero que o filme ajude o povo americano a perceber que temos de forçar os nossos líderes a agir.
Acredita que conseguiu manter-se imparcial durante o filme, ou as suas opiniões influenciaram? O título pode dar essa ideia?
Tentei muito manter-me imparcial e apartidário durante a realização do filme, e acredito que o consegui. Ninguém pode acusar-me de ter favorecido um partido ou um político. O filme é uma extensa acusação de como o sector financeiro corrompeu a política em ambos os partidos. Como tal achei que "Inside Job" era um título muito adequado: em calão americano significa um roubo cometido por alguém dentro da instituição, que é o que aconteceu neste caso.
A história e os impactos da crise de 2008
Chuck Prince, CEO do Citigroup até final de 2007, disse um dia: "temos de dançar até a música parar". Na verdade, "a música já tinha parado quando ele disse isso". A observação, feita por George Soros no documentário de Charles Ferguson, mostra como a indústria financeira norte-americana viveu até ao colapso, no último trimestre de 2008. Filmado nos Estados Unidos, Islândia, Inglaterra, França, Singapura e China, "Inside Job" põe a nu as "relações corrosivas que corromperam a política, a regulação e a academia", como refere a sinopse do filme, e a "progressiva desregulação do sistema financeiro desde 1980". Narrado por Matt Damon, o documentário de Ferguson tem um "elenco" de luxo, com 42 personalidades: Dominique Strauss-Kahn (director do FMI), Christine Lagarde (ministra francesa das Finanças), Paul Volcker (antigo presidente da Fed e actual presidente do Economic Recovery Advisory Board), Eliot Spitzer (ex-procurador geral do Estado de Nova Iorque), os economistas Kenneth Rogoff e Nouriel Roubini, assim como académicos, consultores, escritores e conselheiros, e até Kristin Davis, a "Madam" que angariava prostitutas para os banqueiros; muitos outros recusaram participar. Dividido por fases históricas, o filme começa por mostrar como a Islândia passou de um país próspero a nação em falência e do papel da evolução do sector financeiro nesse processo. A indústria, que começou a ruir nos EUA, teve no anúncio de falência da Lehman Brothers o primeiro grande alerta ao mundo. "Estávamos a ver um ‘tsunami' a aproximar-se", diz Lagarde no filme
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