Todos os dias bem cedo, o “Gorila” sai da sua casa e embrenha-se na selva de Manhattan. Este é o dia-a-dia de Dick Fuld, o ex-CEO da Lehman Brothers, que insiste em aparecer para trabalhar todos os dias no edifício que, durante anos, dominou. Agora, limita-se a cumprir o resto do seu contrato, que termina no final do ano.
Fuld parece negar a realidade, depois de, até ao último momento, ter acreditado que a Lehman Brothers era “too big to fail”, demasiado grande para falir. No dia antes da falência, Henry Paulson cortou-lhe a única saída que restava, a ajuda do Estado. Depois de patrocinar o salvamento da Bear Stearns, e perante muitas críticas, a Lehman surgiu como o pretexto perfeito para criar um exemplo. A 15 de Setembro, o banco pediu protecção contra os credores, depois de semanas de uma agonia que teve na bolsa o seu palco, com quedas de 90% do seu valor. Na mesma semana, Paulson teve em cima da mesa outro processo: a AIG, o maior grupo segurador do mundo. Aqui, a decisão foi outra: uma injecção inicial de 85 mil milhões de dólares, tornando os contribuintes norte-americanos donos de um império à beira da ruína. Na pátria do liberalismo, a doutrina política ficava para trás.
“No início foi o choque, porque nunca acreditámos que o problema fosse assim tão sério”, afirmou ao Diário Económico um antigo analista da Lehman, em Londres. “Quando vimos as ajudas milionárias à AIG e à indústria automóvel, o choque transformou-se em revolta, porque não entendemos por que razão ninguém ajudou a Lehman”, acrescenta este analista, que hoje em dia trabalha para uma empresa rival e pediu para não ser identificado.
O resto é história. A reacção imediata dos mercados foi o congelamento do crédito. A razão é simples: se até um colosso mundialmente conhecido pode desaparecer, não se pode confiar em ninguém. Ou seja, o dinheiro deixou de circular entre os bancos, ou então tal só acontecia a preços exorbitantes. Sem crédito a chegar às empresas e às famílias, a crise - que começou no ‘subprime’ em 2007 para degenerar em algo muito mais abrangente - chegou à economia real, levando muitos países à recessão técnica.
Depois dos EUA, também a Europa se viu forçada a reagir, ainda que a várias velocidades e num coro dissonante. Em Portugal, deu-se a primeira nacionalização em mais de 30 anos, colocou-se outro banco sob gestão controlada, e criaram-se garantias estatais para a emissão de dívida dos bancos, e a Islândia tornou-se conhecida por ter estado à beira da falência, também devido à exposição dos seus bancos.
Dos dois lados do Atlântico, os juros caíram vertiginosamente e a um ritmo nunca visto, procurando insuflar na economia a liquidez que os bancos continuavam a não dar.
Tudo isto num ano que fica para história, pura e simplesmente, como o pior de sempre para as bolsas (ver página seguinte), provocando a erosão nas carteiras dos bancos e nas poupanças das famílias, expostas através de acções, fundos de investimento e produtos sofisticados.
Há um ano, poucas eram as vozes que se atreviam a prever o que se passou. Hoje, tudo é diferente - o sistema financeiro e o mundo. A falência da Lehman - o “orgulho de Wall Street” - é disso o exemplo. Se alguma lição se pode já tirar é que o modelo de Dick “O Gorila” Fuld falhou. E com ele o da regulação em versão ‘soft’. O que virá a seguir está nas mãos de poucos. Sobretudo de Obama, o homem que foi eleito com base na palavra “Mudança”.
Como a Lehman forçou o mundo a mudar
1 - O modelo actual da banca declarou falência
Nos EUA, o modelo reinante foi a divisão entre bancos de retalho e de investimento, e com bons resultados. O problema é que os segundos, sem fontes estáveis de rendimento, dependem de novos negócios das empresas, da transacção de acções, de fusões e aquisições, muitas alavancadas em dívida. Com o medo a tomar conta dos mercados, tudo parou, e as fontes de receitas secaram. Devido à alavancagem - que não permitia outro cenário que não o sucesso dos negócios para pagar dívida - o colapso acabou com a existência autónoma de três dos cinco maiores bancos de Wall Street. O modelo futuro passará por instituições integradas ou uma maior cautela na tomada de risco.
2 - A regulação obrigada a responder aos falhanços
Christopher Cox, actual presidente da norte-americana SEC, admitiu recentemente que a instituição não agiu apesar de, durante uma década, ter recebido “denúncias credíveis e específicas”. Isto ilustra o falhanço do modelo actual, não apenas em causa de fraude - que também teve um exemplo em Portugal - mas também no controlo dos riscos. Os esforços para realizar um novo acordo ‘Bretton Woods’ não resultaram, por agora, em nada específico. No entanto, o caminho deverá ser o habitual nestas circunstâncias: mais regulação, mais exigências, mais controlo. Os ‘private equity’ e, sobretudo, os ‘hedge funds’, deverão ser os principais alvos das autoridades.
3 - Estado voltou a ser o “grande irmão” do sistema
De Portugal ao Reino Unido, passando por Bélgica, EUA e Islândia, as nacionalizações voltaram em força. Consideradas, até há bem pouco tempo, um anacronismo irrepetível, foram a forma encontrada pelos Estados de “salvar” bancos e outras instituições do colapso, devido ao risco de um efeito dominó sobre o sistema financeiro e sobre a economia real. Para além do “trunfo” da nacionalização, outras cartas têm sido jogadas: garantias especiais para emissão de dívida, disponibilidade para reforçar capitais e compra de “activos tóxicos” para limpar os balanços dos bancos mais expostos. Com o falhanço da auto-regulação, o Estado tem sido a verdadeira rede de segurança do sistema financeiro.
“No início foi o choque, porque nunca acreditámos que o problema fosse assim tão sério”, afirmou ao Diário Económico um antigo analista da Lehman, em Londres. “Quando vimos as ajudas milionárias à AIG e à indústria automóvel, o choque transformou-se em revolta, porque não entendemos por que razão ninguém ajudou a Lehman”, acrescenta este analista, que hoje em dia trabalha para uma empresa rival e pediu para não ser identificado.
O resto é história. A reacção imediata dos mercados foi o congelamento do crédito. A razão é simples: se até um colosso mundialmente conhecido pode desaparecer, não se pode confiar em ninguém. Ou seja, o dinheiro deixou de circular entre os bancos, ou então tal só acontecia a preços exorbitantes. Sem crédito a chegar às empresas e às famílias, a crise - que começou no ‘subprime’ em 2007 para degenerar em algo muito mais abrangente - chegou à economia real, levando muitos países à recessão técnica.
Depois dos EUA, também a Europa se viu forçada a reagir, ainda que a várias velocidades e num coro dissonante. Em Portugal, deu-se a primeira nacionalização em mais de 30 anos, colocou-se outro banco sob gestão controlada, e criaram-se garantias estatais para a emissão de dívida dos bancos, e a Islândia tornou-se conhecida por ter estado à beira da falência, também devido à exposição dos seus bancos.
Dos dois lados do Atlântico, os juros caíram vertiginosamente e a um ritmo nunca visto, procurando insuflar na economia a liquidez que os bancos continuavam a não dar.
Tudo isto num ano que fica para história, pura e simplesmente, como o pior de sempre para as bolsas (ver página seguinte), provocando a erosão nas carteiras dos bancos e nas poupanças das famílias, expostas através de acções, fundos de investimento e produtos sofisticados.
Há um ano, poucas eram as vozes que se atreviam a prever o que se passou. Hoje, tudo é diferente - o sistema financeiro e o mundo. A falência da Lehman - o “orgulho de Wall Street” - é disso o exemplo. Se alguma lição se pode já tirar é que o modelo de Dick “O Gorila” Fuld falhou. E com ele o da regulação em versão ‘soft’. O que virá a seguir está nas mãos de poucos. Sobretudo de Obama, o homem que foi eleito com base na palavra “Mudança”.
Como a Lehman forçou o mundo a mudar
1 - O modelo actual da banca declarou falência
Nos EUA, o modelo reinante foi a divisão entre bancos de retalho e de investimento, e com bons resultados. O problema é que os segundos, sem fontes estáveis de rendimento, dependem de novos negócios das empresas, da transacção de acções, de fusões e aquisições, muitas alavancadas em dívida. Com o medo a tomar conta dos mercados, tudo parou, e as fontes de receitas secaram. Devido à alavancagem - que não permitia outro cenário que não o sucesso dos negócios para pagar dívida - o colapso acabou com a existência autónoma de três dos cinco maiores bancos de Wall Street. O modelo futuro passará por instituições integradas ou uma maior cautela na tomada de risco.
2 - A regulação obrigada a responder aos falhanços
Christopher Cox, actual presidente da norte-americana SEC, admitiu recentemente que a instituição não agiu apesar de, durante uma década, ter recebido “denúncias credíveis e específicas”. Isto ilustra o falhanço do modelo actual, não apenas em causa de fraude - que também teve um exemplo em Portugal - mas também no controlo dos riscos. Os esforços para realizar um novo acordo ‘Bretton Woods’ não resultaram, por agora, em nada específico. No entanto, o caminho deverá ser o habitual nestas circunstâncias: mais regulação, mais exigências, mais controlo. Os ‘private equity’ e, sobretudo, os ‘hedge funds’, deverão ser os principais alvos das autoridades.
3 - Estado voltou a ser o “grande irmão” do sistema
De Portugal ao Reino Unido, passando por Bélgica, EUA e Islândia, as nacionalizações voltaram em força. Consideradas, até há bem pouco tempo, um anacronismo irrepetível, foram a forma encontrada pelos Estados de “salvar” bancos e outras instituições do colapso, devido ao risco de um efeito dominó sobre o sistema financeiro e sobre a economia real. Para além do “trunfo” da nacionalização, outras cartas têm sido jogadas: garantias especiais para emissão de dívida, disponibilidade para reforçar capitais e compra de “activos tóxicos” para limpar os balanços dos bancos mais expostos. Com o falhanço da auto-regulação, o Estado tem sido a verdadeira rede de segurança do sistema financeiro.
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