Funcionários bem-vestidos fizeram-no crer que o banco entrava com capital para comprar acções. Mas no final exigiram-lhe 5 milhões de euros
Antero Graça Flores, com 70 anos, confessou ao PÚBLICO, em Fevereiro deste ano, que gostava de resolver rapidamente o processo judicial que colocou contra o BCP. Queria decidir livremente onde ficar, se na África do Sul, junto dos seus familiares, se na Póvoa de Varzim, de onde é natural. O emigrante português, que foi alvo da compra agressiva de acções do BCP, em 2001, acaba de recuperar essa liberdade, ao aceitar o acordo avançado pelo banco, na recta final do processo. Contactado pelo PÚBLICO, o BCP não quis fazer comentários sobre este desfecho em que aceitou quase anular o que pedia no início.
O BCP começou por reivindicar uma dívida de cinco milhões de euros, mas no âmbito da acção judicial baixou o valor para dois milhões. Acabou por aceitar um acordo de apenas 225 mil euros. Quase cinco anos depois do início da batalha jurídica e cinco sessões de julgamento - faltava a leitura dos quesitos e da sentença, que não seria dada pela juíza que acompanhou a fase inicial do processo -, Antero Flores preferiu aceitar o acordo e colocar um ponto final no assunto.
António Flores é mais um cliente que se diz lesado pela compra de acções do BCP, em 2001, vendidas por funcionários do banco como se fossem a melhor aplicação financeira que se poderia fazer e que está na origem de muitos processos a correr nos tribunais, com várias queixas-crime avançadas contra o banco pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e Banco de Portugal.
Neste caso, três funcionários do banco levaram Antero Flores a aceitar comprar acções e a assinar papéis que afirma não saber bem o que diziam. Dois deles viajaram propositadamente da Madeira para a África do Sul. O outro era uma colaborador do balcão do BCP, em Joanesburgo, em quem o emigrante português confiava sem reservas. António Flores admite que aceitou comprar acções, mas garante que não pediu nenhum empréstimo ao banco para pagar essa compra.
Agora com 70 anos, o cliente é o primeiro a admitir que não dominava o português escrito: saiu da Póvoa aos 12 anos, rumo a Joanesburgo, onde começou a trabalhar em carpintaria e desenvolveu actividade empresarial no ramo. A circunstância de não haver extractos bancários (por limitações legais de saída de dinheiro), e de as operações bancárias se realizarem através de contas no off-shore da Madeira (o que permitia melhores taxas de juro) contribuíram para que a situação fugisse ao controlo do emigrante. E assim foi até ao momento, em 2004, em que o BCP o confrontou com uma dívida de cinco milhões de euros, pela compra de acções, obrigações e ainda juros, incluindo os devidos por saldos a descoberto.
O choque foi grande e maior ainda a confusão na sua cabeça. Numa das vindas a Portugal, o emigrante contratou dois advogados portuenses para o ajudar a perceber o que se a passara. Os advogados avançaram, em 2005, com uma acção especial de apresentação de documentos, a exigir do banco a exibição de documentos e extractos de contas, que se recusava a mostrar. Logo no âmbito desta acção, a dívida diminuiu abruptamente de cinco milhões para cerca de dois milhões de euros. Seguiu-se o segundo processo contra o banco, para pedido da anulação da dívida remanescente, assente na omissão do dever de informação e na não adequação do perfil do cliente ao tipo de investimento em causa.
Antero Flores admite que, após as conversas com os três funcionários - "bem-vestidos e bem-falantes" - aceitou comprar acções do BCP. O que ficou registado na sua cabeça, e que é corroborado por familiares presentes no encontro, é que ele entrava com algum dinheiro (165 mil euros em saldo na sua conta à altura) e o banco entrava com outra parte.
Só que, entre os documentos que o banco apresentou na acção inicial, há um contrato de empréstimo de cerca de 1,5 milhões de euros, destinado a financiar a compra das acções, e que, apesar do cliente afirmar não ter noção da sua existência, está assinado por si.
Depois da abordagem dos funcionários, o BCP creditou a conta - entre 28 de Fevereiro e 13 de Março de 2001 - com a compra de 548 mil acções, no valor aproximado de três milhões de euros (o dobro do empréstimo), com cada acção a custar entre 5,3 e 5,4 euros. Ou seja, uma quantia superior ao investimento supostamente feito, o que criou um descoberto de mais de 1,5 milhões de euros.
Entretanto, o BCP retirou, em 16 de Agosto de 2002, por sua livre iniciativa, cerca de 267 mil das 548 mil acções da conta de Antero Flores e anulou o descoberto da conta do emigrante. Só que o banco retirou as acções daquela conta, mas foi depositá-las numa outra conta, criada também em nome de Antero Flores, sem o seu consentimento e conhecimento.
Apesar de Antero Flores ter sido inicialmente confrontado com a dívida desta segunda conta, que com a da primeira, dá mais de cinco milhões, o BCP acabou por anular a parte da dívida relativa à segunda metade das acções. Já em 2008, o BCP vendeu obrigações (algumas com data de vencimento em 2049) compradas também pelo banco e a crédito, alegadamente para compensar o prejuízo das acções e encerrou a respectiva conta, sem prejuízo para o cliente.
Foi assim que a dívida se reduziu para o valor do financiamento inicial (de 1,5 milhões de euros, mais juros), empréstimo esse que serviu para comprar acções que valem agora pouco mais de 200 mil euros. Mas já no final, o BCP acabou por propor um acordo com o pagamento de uma dívida substancialmente inferior, no valor de 225 mil euros.