António Borges: Entrevista a ex-vice-presidente do banco de investimento norte-americano Goldman Sachs
“O sistema financeiro caiu como um castelo de cartas”
António Borges diz que a maioria das pessoas não se deu conta que a subida do valor dos activos e da rentabilidade dos investimentos não tinha sustentabilidade.A crise só termina quando os depositantes voltarem a ter confiança na banca, defendeu António Borges, numa entrevista ao JornalPúblico.
O presidente do Instituto Europeu de Corporate Governance (ECGI) e da associação internacional Hedge Fund Standar foi chamado a Washington pela Administração Bush para participar na discussão do pacote de medidas e soluções para combate à crise do sistema financeiro. O vice-presidente do PSD acusa o Governo socialista de “não falar verdade quando procura explicar os problemas económicos que o país atravessa com a crise financeira internacional.
Os planos apresentados pelos vários governos dos EUA e da Europa e a concertação dos bancos centrais mundiais é o início da solução da crise?
António Borges - Esperemos que sim. Mas a crise só terminará quando se restaurar a confiança no sistema financeiro, em particular por parte dos depositantes. Todas as medidas que estão a ser tomadas têm esse objectivo. Infelizmente, a confiança está muito abalada e não é evidente que se restabeleça facilmente. Aliás, quanto mais radicais são as medidas tomadas mais a confiança se fragiliza, porque todos ficam convencidos que, afinal, a crise é muito pior do que o que se pensava.
Como é que se chegou até aqui?
O ponto principal desta crise é a extraordinária bolha especulativa que se criou nos EUA, o que levou a um aumento sem precedentes do preço das casas. Aí começou um processo de rentabilidade fácil de investimentos em imobiliário, que se transformou numa bola de neve. O sistema financeiro aproveitou para criar instrumentos financeiros que tornavam a rentabilidade acessível a todos os investidores. E o mundo inteiro foi atrás da oportunidade. Hoje sabemos que isto foi longe demais. A grande maioria das pessoas não se deu conta que a subida no valor dos activos e da rentabilidade dos investimentos não tinha sustentabilidade.
Quem é que não se deu conta?
Desde logo as autoridades monetárias americanas que deveriam ter percebido o que se estava a passar e travado a “bolha” com uma Política Monetária (PM) mais cautelosa. E quando o fizeram foi muito tarde e de forma violenta, o que pôs um fim dramático na bolha especulativa. Logo à partida há uma questão complicada que é a estabilidade da PM e de seguida a própria atitude dos reguladores. Foram poucos os que perceberam e chamaram a atenção. A maioria dos reguladores achava que estava tudo bem. Ao tolerarem os mercados de risco os reguladores não foram longe de mais?
Não houve falha de regulação?
Houve uma falta de compreensão por parte dos reguladores do que se estava a passar. Quando se fala em risco, temos que ter presente que, na maioria dos casos, havia a convicção de que não existia risco nenhum, porque o activo mais seguro de todos eram as casas, que surgiam como a garantia sempre preferida. E o sistema foi montado com a ideia de que não existia grande risco pois o preço das casas há mais de 20 anos que subia. Quando os EUA alteram a politica monetária, a bolha especulativa desaparece e o sistema cai como um castelo de cartas. Não se pode atribuir a responsabilidade nem ao sistema, nem talvez às autoridades, porque numa situação de bolha especulativa é muito difícil às pessoas darem-se conta do que se está a passar.
A Banca de Investimento não actuou de forma irresponsável?
Todos falharam. A Banca de Investimento estava a contar com garantias ligadas ao valor das casas. O sistema financeiro considerou que a propriedade era o bem mais sólido. Só que a partir de certo momento, quando a PM se altera e as taxas de juro começam a subir, a reacção foi a consciencialização da falta de sustentabilidade. Houve uns que saíram do mercado muito cedo, outros tarde de mais. E uns tomaram mais riscos do que outros. Mas a forma como se construiu o problema, gradualmente e ao longo dos anos, tornou difícil detectá-lo, daí que poucos tenham chamado a atenção. E os responsáveis mais altos, políticos e reguladores, continuaram a alimentar este processo.
O que é que aconteceu com a Goldman Sachs (GS)?
É um caso interessante. Os bancos que desapareceram estavam condenados por erros de gestão sucessivos e pela tomada de risco em excesso. A GS não, sempre teve resultados positivos e posicionou-se muito bem para enfrentar a crise financeira. A tomada de posição de Warren Buffet, um investidor cauteloso, é o melhor sintoma de que situação da GS não é aquela que os mais pessimistas pensavam.
O mercado funcionou ao deixar a LB falir e ajudou a agravar a crise?
Veio trazer ao de cima problemas com que não contávamos e que causaram as maiores dificuldades nos mercados monetários, na gestão de fundos de investimento, afectando até investidores muito responsáveis, como o fundo Norueguês de longo prazo. (do Estado). E veio colocar outra questão. A lei de falência norte-americana é muito protectora dos interesses norte-americanos. O que se passou com a LB foi a imediata falência da filial europeia da LB, que ficou sem qualquer capital, porque os activos foram transferidos para os EUA para serem geridos pela massa falida e não estão disponíveis para garantir as responsabilidades na Europa. Isto criou uma onda de pânico na Europa em relação aos bancos americanos e afectou a GS e a MS, com os investidores a retirarem um grande volume de activos destes bancos. E foi essa reacção que levou a um certo susto em relação aos BI americanos.
A palavra segurança não faz parte do vocabulário de gestores que só falam em rentabilidade?
O papel fundamental do sistema financeiro é encontrar um bom equilíbrio entre rentabilidade e risco. O que houve foi uma subavaliação do risco, porque tivemos condições financeiras excepcionalmente favoráveis e convencemo-nos de que o risco tinha desaparecido e que o preço do risco tinha baixado muito. O problema é saber como é que vamos desfazer estas posições de risco...
Comentário.
Veja-se o grande exemplo do que aconteceu ao MILLENNIUM BCP, em que se encontra numa situação delicada! Quando é que irá regressar à credibilidade dos seus investidores e accionistas?...